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Abr
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ECONOMIA VERDE| 2 PONTOS DE VISTA

2266- Economia Verde?

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EM PAUTA ECONOMIA VERDE

Analisar fatos isolados não faz mais sentido em uma sociedade cada vez mais interligada. Tal pensamento é hoje aplicado aos estudos das ciências humanas e também às questões ambientais. Como exemplo, basta citar a realização da RIO+20, Conferência Internacional do Clima, ocorrida em 2012 no Rio de Janeiro com o título Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza e Governança Ambiental Internacional. O evento contribuiu para aumentar o destaque do tema na imprensa mundial e o fez reverberar no cotidiano, acirrando discussões.

Para repensar os desafios e as consequências da sustentabilidade incorporada à economia, o consultor de projetos de meio ambiente e desenvolvimento sustentável Fábio Feldman e o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Arthur Soffiati compartilham, em artigos inéditos, suas visões sobre o assunto.

Revista E n0. 189-8, SESC, São Paulo: fevereiro de 2013

 

O Brasil e a Economia Verde: o que nos falta?

Por Fábio Feldman

 

A Rio+20, realizada em junho de 2012, teve como título “Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza e Governança Ambiental Internacional”. A temática da “Economia Verde” foi sugerida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), sendo que sua principal referência foi um documento, divulgado alguns meses antes, intitulado “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”. Dez setores-chave da economia são elencados no documento, tais como a construção civil, a indústria, o transporte, a água e a gestão de resíduos. Segundo o estudo, o investimento de apenas 2% do PIB global por ano nesses setores-chave, o que equivale a US$ 1,3 trilhão, pode dar início à transição rumo a uma economia de baixo carbono e eficiência de recursos.

A ideia de uma Economia Verde acabou suscitando uma enorme controvérsia em todo o processo da Rio+20, especialmente por parte dos países em desenvolvimento, que encaravam essa iniciativa como uma tentativa de esvaziamento do conceito de “desenvolvimento sustentável”.

A grande premissa da Economia Verde é absolutamente legítima: os desafios da humanidade passam pela incorporação da dimensão da sustentabilidade na economia. O preço dos bens e serviços deve incorporar as externalidades negativas que o seu processo de produção gera, sendo que nos dias atuais, quando adquirimos qualquer coisa, deixamos de pagar o que elas realmente custam em termos ambientais ou mesmo socioambientais. Segundo o estudo “Expect the Unexpected: Building Business Value in a Changing World” (algo como “Espere o Inesperado: Construindo Valor para os Negócios num Mundo em Mudança”), da KPMG, é provável que nos próximos vinte anos se aumente a pressão para que os preços de bens e serviços reflitam seu custo total de produção, incluindo os custos de seu impacto ambiental.

Quando comemos uma mera picanha, não sabemos o quanto de água foi utilizada desde o princípio da atividade pecuária até ela chegar ao nosso prato. Também não temos conhecimento da contribuição que essa atividade tem para o aquecimento global, uma vez que o arroto da vaca produz metano, um potente gás de efeito estufa. Essa mesma “contabilização” pode ser feita para qualquer bem ou serviço por nós adquirido.

A ideia de trabalhar os grandes temas ambientais globais com a economia está na agenda já faz algum tempo, sendo importante, no campo da mudança do clima, registrar o estudo feito pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, “Economia da Mudança do Clima”. O trabalho teve um papel muito relevante na discussão do aquecimento global, demonstrando que o custo de não tomar providências contra esse fenômeno trará graves consequências ao Produto Interno Bruto (PIB) mundial nos próximos anos.

Estudo semelhante foi feito por instituições e personalidades de credibilidade no Brasil, “Economia da Mudança do Clima no Brasil”, que revela que a mudança do clima também afetará dramaticamente a economia brasileira.

Segundo o relatório, a agricultura do país poderá sofrer perdas expressivas: com exceção da cana-de-açúcar e da mandioca, que poderão se beneficiar do aquecimento global, as demais culturas, como soja, milho e café, poderão sofrer redução das áreas com baixo risco de produção. A produção dessas e de outras culturas vai requerer uma estratégia de inovação tecnológica para se adaptar a tais alterações climáticas, que terão forte impacto no setor do agronegócio do país.

O estudo “The Economics of Ecosystems and Biodiversity” (TEEB), ou “Economia de Ecossistemas e da Biodiversdade”, liderado pelo PNUMA, teve como objetivo demonstrar a importância dos serviços ecossistêmicos, apontando a necessidade de encontrar instrumentos econômicos que assegurem sua continuidade.

Apenas a título de ilustração, poucos de nós imaginam a importância, para a agricultura, da polinização realizada pelas abelhas. Em outras palavras, se estas deixassem de existir, a humanidade teria que desembolsar quantidades impressionantes de recursos para que tais atividades continuassem a durar.

Recentemente, realizou-se na Alemanha um congresso mundial sobre solos, o Global Soil Week, com o objetivo de discutir estratégias mundiais que permitam sua manutenção em todo o planeta. Com o desafio representado pelo aumento da população mundial até 2050, colocou-se com toda a clareza a necessidade de manutenção desse patrimônio absolutamente essencial para garantir alimentos para a provável população de 9 bilhões de pessoas. É importante levar em conta, além do crescimento populacional, o fato de que se prevê que, até 2030, farão parte da classe média mais 3 bilhões de pessoas, segundo o estudo “Resource Revolution: Meeting the World’s Energy, Materials, Food and Water Needs” (algo como: “Revolução dos Recursos Naturais: Atendendo à Demanda Mundial por Energia, Matéria-prima, Alimentos e Água”), da McKinsey.

Economia Verde, portanto, é o esforço necessário que tem que ser feito para que as ações da humanidade possam ser devidamente mensuradas no que tange aos seus impactos no planeta. Significa, evidentemente, o reconhecimento de que o mercado não é capaz de resolver problemas dessa magnitude, impondo-se a necessidade de novos marcos regulatórios e instituições a serem articulados através de arranjos inovadores.

Nessa linha de raciocínio, o consumidor globalizado terá um papel fundamental no sentido de pressionar empresas para que ofereçam produtos mais sustentáveis e com menor impacto. Pavan Sukhdev, um dos principais autores do TEEB, tem colocado a necessidade de que as empresas, além das demonstrações financeiras tradicionais, passem a contabilizar suas externalidades no meio ambiente.

A empresa Puma, em seu relatório anual de sustentabilidade de 2011, fez um esforço de demonstrar através de uma matriz os impactos gerados pelos seus produtos em toda a cadeia produtiva.

Em síntese, existe um consenso de que há que substituir os conceitos e instrumentos atuais de mensuração por aqueles que possuam uma abrangência maior. O PIB hoje é considerado muito limitado e existem propostas para substituí-lo, a exemplo da Comissão para Mensuração da Performance Econômica e Progresso Social, idealizada pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, encabeçada pelos Prêmios Nobel Joseph Stiglitz e Amartya Sen. Segundo relatório da comissão, sustentabilidade e qualidade de vida estão entre os fatores a serem considerados na mensuração da performance econômica e progresso social de um país.

No Brasil, essa discussão até agora é muito incipiente: ainda temos um longo caminho a ser percorrido. Como possuidores da maior biodiversidade do planeta, de sua maior floresta tropical contínua e da maior bacia hidrográfica de água doce, teríamos toda a oportunidade de liderar a adoção de políticas que colocassem em prática as ideias de uma Economia Verde. Isso porque também possuímos uma sociedade civil bem organizada, um empresariado cosmopolita e uma comunidade científica bem instalada.

Para tanto, nos falta visão e lideranças políticas com mentalidade do século 21.

 

Fábio Feldman é advogado e administrador, atua na área de meio ambiente e desenvolvimento sustentável em São Paulo

 

Economia verde: Sim ou Não?

Por Arthur Soffiati

 

Logo depois de eclodir a primeira revolução industrial, no fim do século 18, a questão social se manifestou com rapidez. Não demorou a surgirem os críticos da economia de mercado, variando do socialismo cristão ao comunismo e ao anarquismo. No mínimo, o capitalismo deveria respeitar limites. No máximo, ele deveria ser suplantado pelo socialismo-comunismo-anarquismo.

A crise ambiental demorou mais a se manifestar porque a capacidade de adaptação (resiliência) do planeta é bem maior do que o da sociedade. Só nos anos de 1960, cientistas começaram a perceber a doença que acometia a Terra. Geólogos e paleontólogos esclareceram que a crise distinguia-se das cinco grandes crises planetárias registradas em passado anterior aos seres humanos. Além de global, a crise de hoje resulta de atividades humanas coletivas nos sistemas capitalista e socialista. Por isto, ela é singular na história da Terra.

Em 1972, a Organização das Nações Unidas promoveu, em Estocolmo, a primeira conferência mundial para discutir as relações conflituosas entre desenvolvimento e limites da Terra. Nela, foram discutidos dois princípios que nos incomodam muito ainda hoje: 1- os limites do planeta e 2) a promoção do desenvolvimento sem ferir tais limites. Houve uma resposta à segunda questão que recebeu o nome de ecodesenvolvimento. Embora a ciência desconhecesse quase tudo sobre os limites do planeta, Maurice Strong e Ignacy Sachs aprimoraram o conceito de ecodesenvolvimento propondo cinco critérios para ele: 1- respeito aos limites dos ecossistemas, 2- respeito às diversas culturas do mundo, 3- distribuição geográfica equilibra da população mundial, 4- priorização do social no processo de desenvolvimento e 5- adequação das técnicas e tecnologias às peculiaridades de cada meio socioambiental.

Antes que o ecodesenvolvimento fosse testado, a ONU criou uma comissão para estudar o estado das relações ecologia-economia. Esta comissão concluiu seus trabalhos com o relatório Nosso Futuro Comum, que propôs o conceito de desenvolvimento sustentável, triunfante na Conferência Rio 92. Em princípio, seu significado era muito semelhante ao de ecodesenvolvimento, mas logo ele ganhou diversos sentidos e se perdeu. Hoje, fala-se em crescimento sustentável, juros sustentáveis e até em corpo sustentável, todos eles ecologicamente insustentáveis.

Enquanto eram propostos caminhos para um novo desenvolvimento, os cientistas faziam um grande esforço para detectar os componentes da crise ambiental e mensurá-los. Entre 1992 e 1995, William Rees e Mathis Weckmagel desenvolveram o conceito de pegada ecológica, bastante usado atualmente para medir até o impacto que cada indivíduo causa à Terra. A pegada ecológica levou à mensuração de carbono lançado na atmosfera pela civilização ocidental e ocidentalizada.

Em 2000, o Prêmio Nobel de Química Paul Josef Crutzen concluiu que a humanidade, operando coletivamente, estava criando uma nova época geológica, batizada por ele de Antropoceno. A conclusão do cientista foi endossada pelo quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. De fato, as emissões gasosas emanadas de atividades rurais, industriais e urbanas estão mudando perigosamente o clima do planeta. As pesquisas do IPCC contribuíram significativamente para construir o conceito de economia de baixo carbono.

De 1995 aos dias de hoje, a comunidade científica avançou bastante na identificação dos fatores responsáveis pela crise ambiental e na mensuração deles. Ainda em 2007, foi criado o Centro Resiliência de Estocolmo, que vem demonstrando a complexidade da crise ambiental. Em primeiro lugar, mostrou-se que, ao lado das mudanças climáticas e do empobrecimento da biodiversidade, mais oito componentes devem ser levados em conta: a depleção da camada de ozônio (ainda não resolvida), a acidificação dos oceanos, o comprometimento da água doce, as profundas alterações no uso do solo provocadas pela agropecuária e pela urbanização, a contaminação dos meios rurais e urbanos, a aceleração antrópica do ciclo de nitrogênio, a aceleração antrópica do ciclo de fósforo e a emissão de partículas sólidas (aerossois) na atmosfera. Além disso, o Centro explica que a capacidade da Terra em amortecer impactos e adaptar-se a eles (resiliência) deve ser levada em conta na mensuração dos fatores. No entanto, esclarece que a resiliência tem limites e que a humanidade deve trabalhar dentro de um espaço seguro de operação.

Com todas estas contribuições à disposição, os participantes da Rio+20 elegeram o conceito de economia verde para substituir o de sustentabilidade. Entretanto, tal como este segundo, economia verde ainda é um conceito não devidamente claro. Assim, ele já está sendo apropriado pela economia de mercado para valorar (atribuir valor econômico) e precificar (estabelecer preço) bens e serviços da natureza. No século 19, Marx entendia que água e ar eram bens abundantes e, por esta característica, nunca seriam transformados em bens de troca pelo mercado.

Até pouco tempo, os economistas não cogitavam que a fotossíntese, a capacidade de troca catiônica do solo, o trabalho das minhocas, a polinização por insetos, aves e morcegos, a umidade relativa do ar, a atividade dos decompositores e tantos outros bens e serviços da natureza pudessem ser valorados e precificados. Esta tendência começou com economistas que atribuíam valor econômico a ecossistemas destruídos por ação humana para fins de indenização por parte do destruidor.

Cada vez mais, agora, empresários e governos pensam em ganhar dinheiro com a manutenção de florestas em pé, com a conservação da água doce, com os serviços prestados gratuitamente pela natureza. Tomemos o urubu como um exemplo simples. De graça, ele se incumbe de devorar animais mortos não recolhidos pelo serviço de limpeza pública. Invocando a economia verde, algum governo nacional poderá instituir uma lei autorizando que os urubus sejam empresariados e tenham o seu serviço gratuito mercadorizado.

Pode-se alegar que a mercadorização de bens e serviços produzidos e prestados gratuitamente pela natureza contribui para protegê-los da destruição, mas existe um grande perigo neste processo. As mercadorias oscilam de acordo com a lei da oferta e da procura. A mercadorização de bens e serviços gratuitos retira deles seu valor intrínseco. Eticamente, os seres vivos têm valor intrínseco pelo que são, não por sua utilidade ao ser humano. Transformados em mercadoria, bens e serviços antes gratuitos, ficam sujeitos às oscilações do mercado, que ora podem ajudar a protegê-los, ora a destruí-los.

Para ilustrar o perigo que representa transformar os bens e serviços gratuitos da natureza em mercadoria, recorramos à fabula de Esopo sobre a galinha dos ovos de ouro. Um casal comprou uma galinha em tudo igual às outras galinhas: bico, penas e pés. Mas foi grande a surpresa e a alegria do casal ao descobrir que ela punha ovos de ouro. Marido e mulher pensaram em ganhar muito dinheiro com os ovos. Contudo, em vez de esperar que a galinha pusesse mais ovos, resolveram matá-la e abrir sua barriga para obter mais ovos. Acontece que a galinha era igual a todas as galinhas por dentro. Moral da história: quem tudo quer tudo perde. Os ovos é que são a mercadoria. Se os preços caírem, os ovos podem ser vendidos por valor mais barato. Se subirem, por preços mais caros. A galinha, no entanto, não pode ser mercadoria, pois se cair seu preço será mais vantajoso matá-la. Mas os ovos vão-se com ela.

Arthur Soffiati é doutor em história social com concentração em história ambiental e pesquisador do Núcleo de Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense/Campos dos Goytacazes