Passo aos amigos os artigos publicados hoje na pg 3 da Folha de São Paulo, Tendências e Debates, a propósito da pergunta colocada: HOUVE AVANÇO NAS MEDIDAS ANTIENCHENTE (DESASTRES NATURAIS)?
O primeiro artigo, o do SIM, é do Ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho. O segundo artigo, o do NÃO, é meu.
Abs,
Álvaro
SIM
Por uma nova cultura de prevenção
Ao nos depararmos sobre o tema da prevenção a desastres naturais, uma questão deve ser colocada como primordial e ponto de largada de qualquer análise: o fato de termos um passivo imenso nessa área.
O deficit histórico do Brasil no investimento em políticas públicas para a habitação, mobilidade e saneamento se formou nos últimos 30 anos, sobretudo nas décadas perdidas de 80 e 90, quando, pela deficiência de investimentos públicos, populações foram ocupando de forma irregular áreas sujeitas a risco de desastres naturais.
Esse deficit histórico nos traz à situação que enfrentamos hoje e que representa um grande desafio para a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Temos aproximadamente 800 mil famílias que moram em área de risco apenas nas regiões Sul e Sudeste.
Devemos reconhecer que, em momentos da história, a ocupação desordenada recebia o apoio até de instituições do poder público, sobretudo nas áreas mais densamente povoadas. Nosso desafio é, portanto, tanto estruturante quanto cultural.
A presidenta Dilma Rousseff tem demonstrado o firme compromisso de reverter a lógica equivocada das ações desenvolvidas ao longo dos últimos anos, que era o de investir mais em remediação e menos em prevenção. E tem tomado medidas concretas para reduzir esse imenso passivo acumulado. Políticas públicas como o programa Minha Casa, Minha Vida, que já entregou mais de 1 milhão de casas em área seguras, é uma delas.
O governo também tem investido fortemente nas ferramentas tecnológicas de previsão, com a criação de dois institutos -Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres).
Esses órgãos estão aperfeiçoando sensivelmente a capacidade brasileira de previsão, o que pôde ser atestado no episódio doloroso em Petrópolis, nesta semana. Os alertas foram dados, as defesas civis foram mobilizadas e muitas vidas foram salvas. Infelizmente, ainda estamos chorando a perda de outras vidas, seja pelo atraso de obras, seja pela cultura, que ainda persiste, de não sair dos locais onde se vive, com receio de perder seus pertences.
Para mudar esse comportamento, estamos in loco nas comunidades, trabalhando em várias frentes. Nos últimos dois anos, capacitamos mais de 10 mil pessoas em técnicas de defesa civil. Realizamos 26 simulados de preparação para desastres em comunidades localizadas em áreas de risco, com a participação da população. São práticas que vamos disseminar e intensificar ao longo dos próximos anos.
Para isso, o Ministério da Integração Nacional está formando parcerias valiosas. Com o Ministério da Saúde, pretendemos mobilizar todos os agentes comunitários para dar orientação de defesa civil. Serão multiplicadores dessa nova cultura. Já com o Ministério de Educação, estamos fechando uma parceria para incluir conteúdos de defesa civil no currículo das escolas.
Também já mapeamos, por meio da CPRM (Serviço Geológico do Brasil), 319 cidades com áreas de risco. Entramos na fase de diagnóstico, que nos ajudará na elaboração de projetos e, assim, a ampliar a carteira de investimento em prevenção.
No ano passado, o governo federal lançou o PAC Prevenção. Já temos investimentos comprometidos de mais de R$ 16 bilhões em obras de proteção de morros, reforço de encostas, contenção de cheias, entre outras. São obras que vão, pouco a pouco, aumentando a capacidade de resiliência de nossas cidades.
Temos ainda muito a fazer. Não só na preparação de bons projetos, como também no aperfeiçoamento da legislação, para permitir velocidade na execução das obras.
Um diferencial nos motiva: temos agora uma política forte e definida. Com continuidade, essa direção vai nos assegurar um sistema de defesa civil que possa reduzir -e, se possível, evitar- as mortes e os prejuízos materiais causados pelos desastres naturais, que, em consequência do aquecimento global e da mudança de clima, tendem a se intensificar com graus de severidade cada vez maiores.
FERNANDO BEZERRA COELHO, 55, é ministro da Integração Nacional
NÃO
A responsabilidade municipal
Em que pesem as meritórias iniciativas que resultaram na aprovação da ótima lei que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e na mobilização de órgãos públicos para o apoio a ações de gestão de riscos geológicos e geotécnicos, efetivamente muito pouco se avançou na redução da probabilidade de ocorrência de novas e devastadoras tragédias associadas a deslizamentos de encostas e enchentes.
Essa grave constatação é ilustrada pelo fato de nem ao menos ter-se conseguido estancar o principal fator causal dos problemas, qual seja a continuidade da ocupação urbana de áreas de muito alto risco geológico, como encostas de alta declividade e margens de rios.
A persistir essa tendência -não há outro horizonte-, as tragédias tendem a se ampliar na intensidade, frequência e letalidade na mesma proporção do crescimento das populações das cidades afetadas.
Aspectos essenciais podem ser apontados como responsáveis por essa equação macabra. O primeiro que salta aos olhos é o perverso acomodamento de administradores públicos à adoção de sistemas de alerta pluviométrico -sirenes. São sistemas necessários, mas em caráter emergencial e de curta duração, justamente no intervalo de tempo suficiente para a implementação de medidas estruturais e resolutivas. A adoção de sistemas de alerta pluviométrico com caráter definitivo é uma medida desumana e ineficaz.
Com base em Cartas de Risco, cumpre, isso sim, proceder em caráter emergencial o imediato reassentamento dos moradores de áreas consideradas de muito alto risco. Não há o que tergiversar sobre esse assunto.
O segundo aspecto é de ordem estratégica. É fundamental que esses problemas, com especial suporte das Cartas Geotécnicas, passem a ser prioritariamente conduzidos sob a ótica do planejamento urbano e dos programas habitacionais, delegando à abordagem de defesa civil uma função complementar. Hoje, todas as responsabilidades são equivocadamente lançadas às costas de nossos heroicos sistemas de defesa civil.
O terceiro aspecto, talvez o mais crucial, é de ordem operacional. Todas as questões práticas, de campo, sejam de caráter emergencial ou permanente, dizem respeito à área de atuação municipal. E o fato real é que nossos municípios, especialmente os de médio e pequeno portes, não reúnem as condições necessárias para ao menos constituir um corpo técnico minimamente capacitado a implementar todo o arco de ações necessárias. Quando não por descompromisso social ou leniências éticas de suas administrações.
Sem dúvida, o gargalo crítico que impede avanços nos programas de gestão de riscos geológico-geotécnicos está na questão municipal. Sugere-se que os governos federal e estaduais organizem forças tarefas, com geólogos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, que se instalem nos municípios mais críticos e deles se ausentem somente quando todos os problemas estiverem devidamente equacionados.
O quarto aspecto a ser considerado é de ordem tecnológica. Não possuímos no país uma cultura técnica arquitetônica e urbanística especialmente dirigida à ocupação de terrenos de acentuada declividade. Isso se verifica tanto nas formas empíricas de autoconstrução usadas pela população de baixa renda, como em projetos de maior porte.
Em ambos os casos, prevalece infelizmente a cultura técnica de produção artificial de áreas planas por meio de cortes e aterros executados por operações de terraplenagem, cacoete técnico invariavelmente presente na formação de áreas de risco de deslizamentos das cidades brasileiras que, de alguma forma, crescem sobre relevos acidentados.
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS, 70, geólogo, foi diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É autor de “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”