07 de julho de 2014
À Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)
REF: Acordo Regional sobre o Princípio 10
As organizações brasileiras que subscrevem esse documento manifestam:
Reconhecendo os esforços dos governos da América Latina e do Caribe, da CEPAL e das
organizações da sociedade civil, envolvidas e comprometidas na construção de um instrumento
regional relacionado ao Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, aprovada em 1992, no Rio de Janeiro.
Reconhecendo que os diferentes países da região, incluindo o Brasil, têm avançado na criação e
consolidação de instrumentos relacionados ao acesso à participação, à informação e à justiça
nas questões ambientais.
Compreendendo que apesar desses avanços, ainda são frequentes os processos decisórios sobre
projetos, políticas, obras de infraestrutura, entre outros, sem a efetiva transparência e
participação da sociedade e/ou sem contar com o efetivo acesso à justiça e o cumprimento da legislação ambiental.
Destacando que tais lacunas, resultam em processos de tomada de decisão que causam
conflitos e injustiças ambientais, afetando a qualidade ambiental e a população, especialmente
os grupos mais vulneráveis.
Compreendendo que a existência de um acordo regional sobre o Princípio 10, possui o potencial
de aprofundar a democracia ambiental na região e contribuir com a conservação dos recursos
naturais, a qualidade de vida e a justiça ambiental.
Apresentamos a seguir nossas considerações, contribuições e posicionamentos sobre a natureza
do instrumento regional e sobre o documento elaborado pela CEPAL, denominado “Assuntos a
serem considerados no instrumento regional para o plena aplicação, na América Latina e Carine,
do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”:
Documento elaborado pela CEPAL
As propostas e as contribuições seguem a própria estrutura do documento elaborado pela Cepal
e estão relacionadas, especialmente, à seção “Temas a Considerar em cada Direito”:
ACESSO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL
Transparência Ativa e Passiva
Sugerimos que sejam considerados, nos critérios para o fornecimento de informações, a
capacidade de entendimento técnico, o nível de alfabetização da população e as línguas
nativas dos grupos indígenas.
Compreendendo a importância da internet como meio de comunicação e sua importância
crescente, mas também suas limitações para regiões e grupos específicos, sugerimos que
seja considerado nesses dois tópicos o uso de outros canais para difusão de informações,
tais como: rádios, televisão, reuniões presenciais, dentre outros.
Propomos que os itens de acesso à informação do acordo considerem também o acesso às
informações que tratam da inter-relação entre meio ambiente e direitos humanos e preveja
que informações sobre violações de direitos humanos não possam ser consideradas
confidenciais.
Propomos que os critérios sobre fornecimento de informações estabeleçam que os Estados
interpretem restritivamente as exceções legais ao direito à informação, como as regras de
sigilo bancário, e deem primazia ao interesse da sociedade de ter acesso às informações de
interesse público, a exemplo de análises de viabilidade econômico-financeira e avaliações
de impactos ambientais, sociais e de direitos humanos de projetos de infraestrutura e
outros grandes empreendimentos.
Propomos que o regime de acesso à informação previsto no instrumento seja estendido a
empresas e fundações públicas, sociedades de economia mista e entes privados que
recebam verba publica ou desenvolvam atividades tipicamente tidas como de interesse
público.
Transparência passiva
Nos itens “Acessibilidade da Informação” e “Mecanismos para Facilitar a informação”,
propomos que como regra, e em todos os casos relacionados aos grupos vulneráveis, que a
informação seja fornecida sem a existência de custos para o solicitante.
No item “Mecanismos para Facilitar a informação” sugerimos a inclusão das seguintes
questões a serem consideradas: criação de órgãos e legislação específicos sobre acesso à
informação que estabeleçam: prazos, competências, responsabilidades, possibilidade de
recursos e mecanismos de monitoramento.
Transparência ativa
Em relação ao item “Consideração de certos temas específicos” sugerimos a inserção, sem
limitar outras inclusões, dos seguintes temas: materiais e atividades perigosas,
licenciamento de grandes empreendimentos, organismos geneticamente modificados
(OGMs) e atividades com grandes impactos ambientais ou importância nacional, tais como
geração de energia e obras de infraestrutura.
No item “Informação nas mãos de privados” sugerimos a inclusão de informações sobre o
cumprimento de princípios, diretrizes e acordos multilaterais sobre meio ambiente, direitos
humanos e responsabilidade socioambiental.
PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO
“Participação em Nível de Projetos (públicos e privados)” e “Participação em nível de
políticas, planos, normas, programas e estratégias”
Sugerimos que o instrumento preveja a participação do público nos processos de
elaboração, execução e avaliação de planos, projetos, políticas dentre outros, de modo a
permitir a existência de uma influência real no processo de tomada de decisões e
monitoramento. Compreendemos que processos de participação somente nas etapas finais
do processo decisório, diminuem a possibilidade de influência nas propostas em discussão
e objetivam, muitas vezes, legitimar decisões previamente tomadas.
Em relação ao item “Tipos de decisões com participação do público”, previsto nos dois
tópicos, propomos a inclusão não somente de políticas tradicionalmente compreendidas
como pertencentes ao campo ambiental, mas também políticas com fortes impactos
socioambientais, tais como: energia, agricultura e transporte.
Além da criação de instrumentos pontuais de consulta, tais como as audiências e as
consultas públicas, sugerimos a previsão de criação de espaços permanentes de gestão
compartilhada das políticas ambientais, que contemplem a participação de representantes
da sociedade civil e do poder público, tais como os conselhos de políticas públicas e os
comitês de bacia hidrográfica existentes no Brasil.
Propomos que o tópico contemple e ressalte a necessidade de processos de Consulta Livre,
Prévia e Informada (CPLI) junto a povos indígenas e outras populações potencialmente
afetadas por políticas públicas, planos e/ou grandes empreendimentos, com atenção
especial para projetos com impactos transfronteiriços, que demandam esforços de
cooperação entre os Estados, tendo em vista a legislação nacional e acordos multilaterais,
como a Convenção 169 da OIT, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Em ambos os tópicos existe o item “Acesso à Informação Relevante”. Entendemos que a
qualificação “relevante” pode ser utilizada para excluir o acesso a determinadas
informações, ou tenha que se provar que a informação é “relevante”. Propormos que o
documento substitua o termo “Acesso à Informação Relevante” por “Informações
Necessárias para uma Participação Social Qualificada”.
Participação em Nível de Projetos (públicos e privados)
Sugerimos que esse tópico contemple a participação em empreendimentos de
infraestrutura e grandes projetos.
Participação Pública em Acordos Internacionais
Propomos que este tópico considere a participação do público nas etapas de elaboração,
ratificação e acompanhamento do cumprimento dos acordos internacionais.
Sugerimos também a criação de mecanismos para prestação de contas do cumprimento de
Acordos Internacionais ratificados pelos países.
ACESSO À JUSTIÇA
No item “Facilitação do Acesso à Justiça” sugerimos a inclusão de instrumentos de
processo coletivo e seus órgãos legitimados – Ministério Público, Defensorias e afins – além
da possibilidade de organizações não governamentais e indivíduos também serem
legitimados.
Nesse mesmo item, propomos que o instrumento ressalte e preveja a plena autonomia do
Ministério Público e do Judiciário para atuar em prol do cumprimento da legislação
ambiental e dos direitos socioambientais.
Sugerimos que o item “Resolução Alternativa de Controvérsias” seja explorado
considerando-se a publicidade e a transparência.
Propomos que o item “Mecanismos para Denunciar Violações da Legislação Ambiental”
seja explorado considerando-se a divulgação ampla da existência destes mecanismos ao
público.
Sugerimos a inclusão de um item que trate da assistência jurídica gratuita a grupos
vulneráveis.
Natureza do Instrumento Regional
Para proporcionar um avanço significativo na democracia ambiental e no quadro legal e
institucional sobre o tema na região, compreendemos que o resultado final do processo de
construção do instrumento regional deva ser um acordo juridicamente vinculante.
Entendemos que uma resolução não vinculante, ou outro plano de ação não vinculante, não
atenderá as expectativas e as necessidades da região, pois já existem diversos instrumentos
dessa natureza.. Vinte anos após a Declaração do Rio, o Princípio 10 de direitos de acesso já está
bem estabelecido no direito internacional e regional e muitas iniciativas não vinculantes já
foram criadas, tais como as “Diretrizes para a Elaboração de Legislação Nacional sobre o Acesso
à Informação, à Participação do Público e à Justiça em Assuntos Ambientais (Diretrizes de Bali)”
e a “Estratégia Interamericana para a Promocão da Participação Pública na Tomada de Decisões
sobre Desenvolvimento Sustentável”.
Dessa forma, acreditamos que é o momento para concentrarmos esforços na importante tarefa
de garantir que todas as nações da região adotem e implementem leis e práticas que garantam
os direitos de acesso à informação, à participação pública e à justiça para todas as pessoas.
A partir desse entendimento, conclamamos os governos da região a assumir posição favorável a
um acordo juridicamente vinculante sobre o Princípio 10.
Nessa perspectiva de construção de um acordo juridicamente vinculante, propomos que sejam
considerados, no processo de elaboração do instrumento, os procedimentos de assinatura,
ratificação, aceitação, aprovação e adesão, depósito, entrada em vigor e emenda, além do
estabelecimento de órgãos para assegurar a implementação do acordo, tais como: Secretariado
da Convenção e Conferência das Partes, ou outra estrutura de coordenação e governança, além
da criação de um órgão de monitoramento/ouvidoria.
Sugerimos também que exista a previsão de elaboração de planos periódicos pelos países
signatários, que contemplem ações e metas relacionadas ao cumprimento do acordo regional.
Propomos que tais planos contemplem a participação da sociedade em sua elaboração e
acompanhamento, além de um monitoramento independente, tendo como modelo o processo
previsto na “Parceria para Governo Aberto – OGP”.
Por fim renovamos o nosso reconhecimento pelos esforços empregados até o momento e
colocamo-nos a disposição para esclarecimentos e para continuar a contribuir com esse
importante processo.
Subscrevem esse documento:
· AMARRIBO Brasil
· Aprender Entidade Ecológica
· Artigo 19
· Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
· CRECE – Conselho de Representantes dos Conselhos de Escolas
· Ecoa
· Escola de Governo de São Paulo
· Fboms – Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
· Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
· Fundação Avina
· Fundação Grupo Esquel Brasil
· Idesam – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas
· IDPV – Instituto o Direito por um Planeta Verde
· Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
· Iguassu Iterei Movimento da Cidadania pelas Águas, Florestas e Montanhas
· Imaflora – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
· IMV – Instituto Madeira Vivo
· Instituto Humanitas
· International Rivers
· IPEH – Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana
· Movimento Ficha Verde
· MVVC~CC
· Observatório do Clima
· Rede Latinoamericana de Ministério Público Ambiental
· Terræ Organização da Sociedade Civil
· Voto Consciente[
Contatos:
Renato Morgado – renato@Imaflora.org +55 19 3429.0819
Paula Martins – Paula@article19.org +55 11 3057-0042