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Jul
28

IN MEMORIAM | Rubens Thomaz de Almeida, saudoso Rubinho por Gilberto Azanha – CTI

Rubens Thomaz de Almeida, saudoso Rubinho

Rubens Thomaz de Almeida faleceu ontem, dia 26 de julho, com 67 anos.
Antropólogo de formação e ação, viveu a maior parte da sua vida dedicada
aos Kaiowá e Ñandeva. Pelo menos 45 anos. Em 1973 depois de uma estadia no
México no ano anterior, encontrou com os Pãi-Tavyterã no Paraguai, para
onde foi de férias, ainda estudante. Conheceu nesse encontro  o antropólogo
austríaco Georg Grunberg que ali coordenava um projeto junto aos Pà£i. De
volta, sua ideia fixa desde então (1974-75) foi replicar esse projeto aqui
no Brasil, com os Pãi daqui, chamados de Guarani-Kaiowá. Obteve
financiamento externo (plena ditadura, não se esqueçam) e criou o Projeto
Kaiowá-Nhandeva, o PKN. Recrutou para sua *ideia fixa* outro estudante de
Ciências Sociais, Celso Aoki. E em 1976-77 se meteram no sul do entà£o Mato
Grosso para levar o projeto para os Kaiowá. Isso mesmo, “levar para† porque
não se tinha condições de diálogo livre com os indà­genas dado que a FUNAI,
recém-criada e dominada por militares, exercia seu poder colonial estrito,
caçando, literalmente, aqueles que pretendiam conversar com os Kaiowá sobre
“projeto†, “futuro†, “terra†.

Rubinho (como todos o chamavam) foi o primeiro militante profissional da
causa indígena, porque se mantinha (e o Celso Aoki idem) com os recursos da
cooperação internacional – no sentido de receber sustento para não fazer
outra coisa senão batalhar pela causa indígena.

Rubinho e Celso foram “vender† seu projeto nas “Reservas† Kaiowá e
Nhandeva, ilhas territoriais que o SPI havia conseguido demarcar para estes
povos no final dos anos 1920. O pai do Rubinho, jornalista de várias
redações da grande imprensa em São Paulo, era protestante. Rubinho usou
deste expediente, “ser protestante†, para infiltrar-se nas reservas Kaiowá
dominadas pela famigerada “Missão Kaiová†, de evangélicos.  O PKN conseguiu
então entrar em contato com alguns “capitães† Kaiowá para levar sua ideia.

O PKN começou então a bancar roças em algumas Reservas Kaiowá e Nhandeva.
Era claro que isso era um pretexto, algo pensado para não chamar a atenção
da FUNAI colonialista e da Missão Kaiová. Rubinho queria entender o que se
passava ali. Ele era bom em línguas Quando voltou do Paraguai já falava,
quase fluentemente, o Guarani-Kaiowá. O PKN tocava as roças e ele
conversava com os pajés, com os “capitães†, com jovens lideranças, tentando
entender a realidade Kaiowá, seus problemas, suas estratégias de
sobrevivência. E as questões territoriais.

Rapidamente compreendeu o dilema territorial dos Kaiowá e passou a se
envolver com esse tema difícil, ainda mais no final dos anos 1970. Mas
Rubinho era bom de papo também, sobretudo com os generais e burocratas
colonialistas da FUNAI. Quando entendeu, nas conversas regadas a mate, que
as “Reservas do SPI† na verdade abrigavam grupos Kaiowࡠdistintos que foram
despejados nelas, literalmente, pela ação do SPI e FUNAI para “liberarâ€
terras para fazendeiros, então tudo ficou claro para Rubinho (e o PKN) e
sua ideia fixa (apoio as roças, bem estar, combate ao regime colonialista
da FUNAI…) mudou 180º. A luta pela terra destes grupos despejados e
espoliados das suas terras virou sua nova ideia fixa, e do PKN.

Usando das suas habilidades, já em 1982-84, mandara Relatórios (de
Identificação!) para a FUNAI sobre alguns grupos “exilados† nas Reservas do
SPI que com ele haviam andado nos seus territórios de origem (Celso Aoki
mapeava previamente tais territórios e estabelecia a logística para tanto).
E finalmente o PKN realizaria seu objetivo: fazer a FUNAI reconhecer e
demarcar, em 1984, em plena ditadura, duas terras que haviam sido usurpadas
(e transformados em fazendas no Mato Grosso) para os Kaiowá: *Guaimbé*
e *Rancho
Jacaré. * Um pouco mais tarde uma outra, *Takuaraty-Yvykuarassú*. Pouco
depois, em 1992-93, foram os seus Relatórios (com a inestimável colaboração
de Celso Aoki  e também de Levi Marques Pereira) que a FUNAI (agora aliada)
pode levar os Kaiowá e Nhandeva a retomar um conjunto de outros *tekoha*:
*Jaguapiré*, *Guasuty*, *Sete Cerros*, *Cerrito*, *Jaguari* e *Jarara*. O
alcance destes feitos, no Mato Grosso do Sul não tiveram o reconhecimento
merecido. E talvez nem ele deu-se conta, à época, da importância do feito.
Qual foi?

Demonstrar que as Reservas do SPI foram (e ainda são!) espaços de
confinamento para outros subgrupos Kaiowá de outros *tekoha*, de outras
territorialidades, e que o Estado brasileiro desapossou, despejou e
submeteu; que a luta pela a recuperação destes *tekoha* é possível, com
pesquisa e conversa íntima, séria, de parceiro, com os Kaiowࡠ“exilados† na
luta para a retomada de suas terras.

Anos mais tarde, com o antropólogo ítalo-brasileiro Fábio Mura recuperou e
construiu o conceito territorial Kaiowá de *Peguá*, visando escapar do
senso comum dos antropólogos “na FUNAI† de *tekoha* (“um tekoha não pode
ter mais do que 2 mil hectares!†): *peguá*, descobriram Rubinho e Mura, são
os grandes espaços territoriais Kaiowá onde se podia circular livremente e
que conectavam (e se conectam ainda, por debaixo das vistas dos
fazendeiros) os *tekoha*. Espaço *livre*, delimitado por bacias
hidrográficas (bacia do Amambai, do Apa, do Brilhante, do Dourados, do
Iguatemi) e que reconstituiriam o território tradicional Guarani Kaiowá e
Nhandeva. Estava engajado nessa luta quando seu corpo morreu.

Mas espero (esperamos) que os sábios-rezadores Kaiowá e Nhandeva
recepcionem o espírito errático do Rubinho (não lembro seu último nome
entre os Kaiowá…) e façam-no ver os *Pegua* um dia conquistados.

Gilberto Azanha -CTI