Rubens Thomaz de Almeida, saudoso Rubinho
Rubens Thomaz de Almeida  faleceu ontem, dia 26 de julho, com 67 anos.
Antropólogo de formação e ação,  viveu a maior parte da sua vida dedicada
aos Kaiowá e Ñandeva. Pelo menos 45  anos. Em 1973 depois de uma estadia no
México no ano anterior, encontrou com  os Pãi-Tavyterã no Paraguai, para
onde foi de férias, ainda estudante.  Conheceu nesse encontro  o antropólogo
austríaco Georg Grunberg que ali  coordenava um projeto junto aos Pà£i. De
volta, sua ideia fixa desde então  (1974-75) foi replicar esse projeto aqui
no Brasil, com os Pãi daqui,  chamados de Guarani-Kaiowá. Obteve
financiamento externo (plena ditadura, não  se esqueçam) e criou o Projeto
Kaiowá-Nhandeva, o PKN. Recrutou para sua  *ideia fixa* outro estudante de
Ciências Sociais, Celso Aoki. E em 1976-77 se  meteram no sul do entà£o Mato
Grosso para levar o projeto para os Kaiowá.  Isso mesmo, “levar para† porque
não se tinha condições de diálogo livre  com os indàgenas dado que a FUNAI,
recém-criada e dominada por militares,  exercia seu poder colonial estrito,
caçando, literalmente, aqueles que  pretendiam conversar com os Kaiowá sobre
“projeto†, “futuro†,  “terra†.
Rubinho (como todos o chamavam) foi o primeiro militante  profissional da
causa indígena, porque se mantinha (e o Celso Aoki idem) com  os recursos da
cooperação internacional – no sentido de receber sustento  para não fazer
outra coisa senão batalhar pela causa indígena.
Rubinho  e Celso foram “vender† seu projeto nas “Reservas† Kaiowá e
Nhandeva,  ilhas territoriais que o SPI havia conseguido demarcar para estes
povos no  final dos anos 1920. O pai do Rubinho, jornalista de várias
redações da  grande imprensa em São Paulo, era protestante. Rubinho usou
deste expediente,  “ser protestante†, para infiltrar-se nas reservas Kaiowá
dominadas pela  famigerada “Missão Kaiová†, de evangélicos.  O PKN conseguiu
então entrar  em contato com alguns “capitães† Kaiowá para levar sua ideia.
O PKN  começou então a bancar roças em algumas Reservas Kaiowá e Nhandeva.
Era claro  que isso era um pretexto, algo pensado para não chamar a atenção
da FUNAI  colonialista e da Missão Kaiová. Rubinho queria entender o que se
passava  ali. Ele era bom em línguas Quando voltou do Paraguai já falava,
quase  fluentemente, o Guarani-Kaiowá. O PKN tocava as roças e ele
conversava com os  pajés, com os “capitães†, com jovens lideranças, tentando
entender a  realidade Kaiowá, seus problemas, suas estratégias de
sobrevivência. E as  questões territoriais.
Rapidamente compreendeu o dilema territorial dos  Kaiowá e passou a se
envolver com esse tema difícil, ainda mais no final dos  anos 1970. Mas
Rubinho era bom de papo também, sobretudo com os generais e  burocratas
colonialistas da FUNAI. Quando entendeu, nas conversas regadas a  mate, que
as “Reservas do SPI† na verdade abrigavam grupos Kaiowࡠ distintos que foram
despejados nelas, literalmente, pela ação do SPI e FUNAI  para “liberarâ€
terras para fazendeiros, então tudo ficou claro para  Rubinho (e o PKN) e
sua ideia fixa (apoio as roças, bem estar, combate ao  regime colonialista
da FUNAI…) mudou 180º. A luta pela terra destes grupos  despejados e
espoliados das suas terras virou sua nova ideia fixa, e do  PKN.
Usando das suas habilidades, já em 1982-84, mandara Relatórios  (de
Identificação!) para a FUNAI sobre alguns grupos “exilados† nas  Reservas do
SPI que com ele haviam andado nos seus territórios de origem  (Celso Aoki
mapeava previamente tais territórios e estabelecia a logística  para tanto).
E finalmente o PKN realizaria seu objetivo: fazer a FUNAI  reconhecer e
demarcar, em 1984, em plena ditadura, duas terras que haviam  sido usurpadas
(e transformados em fazendas no Mato Grosso) para os Kaiowá:  *Guaimbé*
e *Rancho
Jacaré. * Um pouco mais tarde uma outra,  *Takuaraty-Yvykuarassú*. Pouco
depois, em 1992-93, foram os seus Relatórios  (com a inestimável colaboração
de Celso Aoki  e também de Levi Marques  Pereira) que a FUNAI (agora aliada)
pode levar os Kaiowá e Nhandeva a retomar  um conjunto de outros *tekoha*:
*Jaguapiré*, *Guasuty*, *Sete Cerros*,  *Cerrito*, *Jaguari* e *Jarara*. O
alcance destes feitos, no Mato Grosso do  Sul não tiveram o reconhecimento
merecido. E talvez nem ele deu-se conta, à  época, da importância do feito.
Qual foi?
Demonstrar que as Reservas  do SPI foram (e ainda são!) espaços de
confinamento para outros subgrupos  Kaiowá de outros *tekoha*, de outras
territorialidades, e que o Estado  brasileiro desapossou, despejou e
submeteu; que a luta pela a recuperação  destes *tekoha* é possível, com
pesquisa e conversa íntima, séria, de  parceiro, com os Kaiowࡠ“exilados† na
luta para a retomada de suas  terras.
Anos mais tarde, com o antropólogo ítalo-brasileiro Fábio Mura  recuperou e
construiu o conceito territorial Kaiowá de *Peguá*, visando  escapar do
senso comum dos antropólogos “na FUNAI† de *tekoha* (“um  tekoha não pode
ter mais do que 2 mil hectares!†): *peguá*, descobriram  Rubinho e Mura, são
os grandes espaços territoriais Kaiowá onde se podia  circular livremente e
que conectavam (e se conectam ainda, por debaixo das  vistas dos
fazendeiros) os *tekoha*. Espaço *livre*, delimitado por  bacias
hidrográficas (bacia do Amambai, do Apa, do Brilhante, do Dourados,  do
Iguatemi) e que reconstituiriam o território tradicional Guarani Kaiowá  e
Nhandeva. Estava engajado nessa luta quando seu corpo morreu.
Mas  espero (esperamos) que os sábios-rezadores Kaiowá e Nhandeva
recepcionem o  espírito errático do Rubinho (não lembro seu último nome
entre os Kaiowá…)  e façam-no ver os *Pegua* um dia conquistados.
Gilberto Azanha -CTI
